terça-feira, 11 de outubro de 2011

Amor... A Mor... A Morte


Nunca gostei daquele azul do céu. Era o pior azul que vi. Naquela manhã o céu estava azul, algumas nuvens se iam e o mar quase indiscreto, não sabia seu limite com o horizonte. Dava para ver todo o dégradé da noite purpura e chuvosa passada morrendo, o sol branco que nascia e o azul constante pálido do momento. O silencio da avenida era quebrado logo tão cedo. Pneus traiçoeiros corriam indiscretamente. Não havia pássaros cantores ou qualquer outro ser vivo. Nada tirava a concentração quanto a pista negra que já deixara de ser molhada. Era tentadora.

Eu já não sabia mais porque estava ali. Aqueles carros passavam cada vez mais. Caminhões, ônibus, carros e motos. Tudo corriam diante a linha larga, nem semáforos nem a faixa haviam. Uma brisa toxica e quente que vinha da frota mordia os alvéolos e me fazia tossir. Os automóveis gritavam com suas buzinas. Pessoas passavam longe. Corriam sorrateiramente na frente dos carros que paravam palmos dos corpos assustados que já sumira dali. Minutos depois voltavam ao constante. Todos ignorantes.


Era a avenida perto da praia, um mar sujo, azul e lindo de longe. O mar era inútil, muitas pedras, nenhum banhista, alguns pescadores. Os donos dos cães de raça caminhavam pela areia e alguns deixavam suas fezes, era ridículo não distinguir quem era cão e quem era homem. Outro dia até vi um cão correr para a avenida, foi pisado por um ônibus, que nem parou. Os outros nem desviavam. O crânio quebrado estalava a cada pneu sujo de sangue que esfarelava o resto dos ossos do bicho. Logo era um ponto sujo e plano na avenida. Um dia um homem morreu atropelado. A ambulância até que não demorou a chegar, mas antes arrastaram o corpo para o calçamento e o transito voltou. Frio e cruel.

Não havia vida naquele lugar. Minha mente mais uma vez perdida no cosmo, longe daquela realidade, do padrão, do erro, longe da dimensão medíocre. Dava até para ouvir uma melodia dançante, que meus pés moviam conforme a musica. O sapato batia no chão frio das sete horas da manhã, ritmicamente. Naquele dia não estava com fones de ouvido, não. Mas a musica invadiu minha mente, meu corpo. Apenas segui de onde vinha. Estava chegando perto quando senti o desnível no calço.


Havia descido a pista. Aquele som era nada mais nada menos que uma ambulância. Abri os olhos e então tudo parou. Na realidade eu havia apenas tocado àquela lista branca que marcam a saída do calçamento e o início da pista. E realmente havia uma ambulância. Agora caída de lado no chão. Bateu em um carro daqueles grandes. Dava pra ver quem estava dentro. Uma mulher gravida parecia inconsciente, seu sangue descia da testa, pela orelha até cair no chão. O motorista esmagado com o choque de frente. Acho que morreu. O outro carro apenas amassado. Eles logo saiam e gritavam palavrões ou apenas buzinavam. O transito parou. O acidente era mágico. Insano.

Uma voz se destacou na desordem. Ele puxou minha mão. Eu virei o rosto e vi. Não era um anjo, não sei bem, mas era angelical e divino. Os joelhos romperam e antes de cair ele me segurou em seus braços e me conduziu a um abraço quente e excitante. Seus lábios quentes tocou meu corpo frio e suado, era místico e falou “Eu não quero te perder!”. Aquela voz ecoou em minha mente, fechei os olhos e depois de uma lagrima espontânea, um sorriso. Abri os olhos dava pra ver perfeitamente aquela cara franzina. Tudo parecia rodopiar como um tornado, me sentia levado para junto dele. E antes de um beijo qualquer, ele sumiu lentamente com um vento que em segundos arrancara cada parte de seu corpo. Era real.


Um piscar de olhos e lá estava eu. Deitado no chão quente. Não ouvia mais a voz dele, outras, muitas e irreconhecíveis. O som diminuía. Até não ouvir mais nada. Nada mesmo. Além das cabeças embaraçadas estava o céu. O mesmo céu azul pálido mudava magicamente para um azul intenso e escuro. Somente agora vi um céu bonito de verdade. Nada mais além de ir. Fechei os olhos e sorri sabendo que ele me amou. Deitando no quente sangue borbulhante na destruição. A avenida estava agora molhada, não mais de chuva, de sangue. 

Tolo eu que pensei que só o teria se a morte viesse. Estava o tempo todo comigo. Amor, A Mor, A Morte. 



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